Cena 2: O Dia das Cinzas

Com seus planos combinados e revisados, vocês iniciam a travessia da ponte. O soldado que saiu para fumar analisa vocês ainda distantes, perceptivelmente estranhando o grupo que vê. De dentro de outra cabine, dois soldados os observam atentamente. Suor escorre pela testa de Cristhian, e o grego fica preocupado que a missão fracasse ainda longe do alvo.

Vocês caminham calmamente, fingindo dar pouca importância ao posto de vigilância e aos soldados alemães, quando Isabelle cochicha para vocês:

- Mudança nos planos.

E dito isso, o francês se volta diretamente para o soldado jovem que fumava fora da cabine, dizendo alto em francês:

- Mas o que está acontecendo aqui?

Isabelle parece aborrecido e confuso com a vigilância, e reclama diretamente com soldado exigindo explicações. O francês está encarnando o papel de fazendeiro, deixando passar até uma mudança ligeira no sotaque. Ele aproveita para expor o disfarce combinado.

O soldado explica que o posto de vigilância, assim como diversos outros, foram montados essa manhã em Honfleur, como parte de uma operação para aumentar a segurança nos portos do norte, sujeitos ao ataque britânico.

Vocês passam pelo bloqueio sem impedimentos e podem respirar aliviados. Uns muitos metros depois, quando têm a certeza de que não foram ouvidos, Isabelle comenta:

- Eles nunca suspeitam de que a pessoa que procuram venha direto até eles. O segredo é aborda-los primeiro. Temos mais uma ponte adiante, dessas que suspendem para deixar os barcos passarem por debaixo delas. Fica na marina da cidade, bem no centro, e depois dela estaremos praticamente dentro da igreja. Com certeza a vigilância está reforçada lá. Manteremos o plano ou tentaremos alguma rota alternativa?

Os homens cumprimentam Daniel, eles tem as mãos enormes e calejadas. Um deles se impressiona com a habilidade de mecânica do francês e abre o capô do caminhão.

- Fechado! Uma manutenção na máquina é sempre bem-vinda. Vocês podem se esconder na caçamba, mas vão ter que esperar um tanto bom, essa fila está demorando pra andar.

Robert ajuda Daniel com o serviço, e acabam sujando as mãos de graxa. Daniel conhece bem mecânica de automóveis, e aprendeu uns truques de como impressionar e assustar os donos dos veículos. O partisan usa disto, complicando desnecessariamente o trabalho, para criar vínculo de confiança no estivador.

Até mesmo outros trabalhadores, que observavam curiosos o serviço, requisitaram a mão-de-obra de Daniel, e Robert percebeu disfarçadamente que os soldados no portão os notaram. Devem estar achando que vocês são mecânicos do porto.

- Subam na caçamba, vamos entrar. - O estivador manda assim que Daniel fecha o capô.

Vocês podem tentar se ocultar atrás de alguns caixotes de madeira ou se manter a plena vista. Fato é, todo caminhão está sendo revistado antes de entrar.

O caminhão manobra lentamente e se posiciona a frente do portão principal. O motorista leva uma discussão tensa com um alemão, que claramente não compreende francês, e se limita a dizer as mesmas frases decoradas passadas por seu superior, algo que Daniel pesca como sendo um bloqueio temporário no porto devido à ameaças empreendidas pelo Império Britânico.

Em seguida, o motorista desliga o motor e a conversa cessa, levando seus corações a disparar e suas mãos a suar. Subitamente, a lona da caçamba é erguida e um soldado alemão enfia a cabeça para espiar o interior. Ele é jovem, ainda mais jovem com o rosto liso. Ao manter os olhos em Robert, seu rosto deixa um pouco da seriedade e cobre-se de um pouco de intimidação.

Logo em seguida, a lona é afastada com mais vontade e outro soldado aparece, igualmente jovem, junto ao motorista. Ele explica que são mecânicos cujos serviços foram agendados uma semana atrás, e que o impedimento traria enormes prejuízos ao porto. O outro soldado arranha um francês péssimo, e confirma a história, dizendo que os viu trabalhar.

- O sargento disse que apenas quem era essencial devia entrar - O primeiro soldado insiste.

- Eu sei o que ele disse, eu estava junto - o segundo interrompe - Vamos, deixem que passem, já seguramos o suficiente.

E assim, sem uma palavra dirigida a vocês, a lona desce e o motor volta a roncar. O pesado portão range ao abrir, e a multidão mantida do lado do fora exalta-se em alívio e raiva. O caminhão anda pouco e lentamente, e logo está nas docas dos caminhões, onde estaciona de ré, pronto para ser abastecido.

Vocês estão dentro do porto. O motorista desce e chama vocês para fora, cumprimentando ambos pelo acordo bem sucedido.

- Parece que eles já causaram a dor de cabeça que queriam, logo este lugar estará fervilhando de caminhões e estivadores fazendo o transbordo.

Alguns locais de interesse para investigar: os atracadouros, onde podem espiar os navios; os armazéns de transbordo, onde podem espiar as cargas em movimentação; e a ponte de comando da Autoridade Portuária, onde se desenrola a comunicação entre os navios e as docas.

Vocês continuam caminhando, agora um tanto apressadamente para repor o tempo perdido, enquanto conversam.

- Muito bem, muito bem - Isabelle está meio afoito, apesar do cansaço evidente estar cobrando seu preço - A próxima ponte já é logo adiante. Eu vou tentar uma aproximação similar apenas se perceber que eles nos estranharam. Já estamos numa região mais movimentada da cidade. Cristhian está correto, temos de ser discretos. E não há motivo para esconder o medo, qualquer morador daqui deve estar estranhando os recém chegados.

E Isabelle está certo, ruas movimentadas surgem logo após cruzar a ponte. À direita de vocês, o grande canal do porto, e muitas pequenas embarcações, muitos veleiros inclusive, atracados nos muros de pedra do canal. À esquerda, diversos prédios antigos, a maioria bastante altos.

Vocês fazem uma curva à direita, mantendo-se juntos à margem do canal, e já conseguem ver a terceira ponte. Além dela está o centro da cidade, com seus prédios altos, esguios, e todos colados uns aos outros. Aqui se vê prédios mais imponentes e até mesmo fechados de jardins, o que indicam se tratar possivelmente de prédios públicos. As ruas se enchem de pessoas de todos os tipos, pessoas comuns voltando do serviço para suas casas no horário do almoço, e outras parando em cafés e restaurantes. Ainda assim, a estranha ausência de veículos circulando nas ruas causa estranheza. Muitos carros estão apenas estacionados, reforçando a hipótese de conservação de combustível. Há também um número crescente de carroças puxadas a tração animal.

A última ponte se aproxima, e aqui a situação é ainda mais severa. A rua que leva à ponte foi interditada com sacos de areia, arame farpado e até mesmo estrepes para furar os pneus dos veículos em posições destacadas. Estranhamente, os postos estão abandonados, exceto pelas duas guaritas, uma em cada extremidade da ponte levadiça. Vocês se aproximam com cautela, vigiados por meia dúzia de soldados. Um homem os aborda sem se apresentar, dizendo apenas que teve que atravessar a mesma ponte cinco vezes no dia, e que pelo agora a maior parte dos soldados deixou o posto. Além disso, a ponte separa a marina, repleta de pequenas embarcações e veleiros, do canal.

Vocês não são abordados pelos soldados e, ao cobrir uma distância de segurança, Isabelle anuncia:

- Conseguimos. Vamos nos dividir. Eu e Boris vamos para a Igreja de Santa Catarina, lembrem-se deste nome. Estão vendo aquela torre de madeira, ali sobre os telhados? É lá que fica a igreja. Cristhian e Lotta, vão atrás das peças no mercado, fica a duas ruas naquela direção. Nos encontrem em meia hora. Acertados?

Vocês buscam seu caminho em direção aos atracadouros, onde ficam os grandes navios. No caminho, vocês tentam agir como gente normal, acostumada àquele ambiente, e logo se veem buscando os locais mais ocupados pelos muitos estivadores e outros trabalhadores do porto que começam a fervilhar.

Além de descobrir o caminho, vocês tentam observar as posições inimigas e as armas estacionárias. Ainda há muitos soldados ocupando o porto, notoriamente no grande prédio administrativo, da onde, no alto de uma larga torre quadrada, todo o porto é governado. Nas contas de Robert, o inimigo deve ter mobilizado pelo menos cinco pelotões para esta ocupação, além da presença de metralhadoras pesadas montadas em travessias elevadas e protegidas por sacos de areia.

Vocês identificam o atracadouro, seus longos píeres e os grandes armazéns e guindastes de carga. Há poucos navios aportados, mas um deles chama a atenção. O maior das navios, certamente um cargueiro com capacidade de cruzar o Atlântico, está ocupado por soldados nazistas e seu acesso está bloqueado por força armada. Não há bandeira visível, nem mesmo aquelas costumeiramente pintadas no casco. Não há movimentações de estiva, nem sinal de sua tripulação civil ou passageiros.

Só é possível avistá-lo de longe, devido a presença do bloqueio no atracadouro. Os obstáculos à investigação são severos.

Você e Lotta abandonam Boris e Isabelle e seguem na direção da área comercial. Aqui é o centro da cidade, e as ruas estão tomadas pelas pessoas no seu horário de almoço. Você sente a apreensão de ser observado por muitos olhares curiosos e julgadores, e evita dizer uma palavra que seja para não alimentar a desconfiança com seu sotaque. Para piorar as coisas, você perdeu seu óculos e os rostos da multidão tornam-se apenas borrões.

Por um momento, Lotta desaparece atrás do óculos quem cumpre suas especificações. Você sequer percebeu quando ela te deixou, e seu nervosismo aumenta. Enquanto procura pelas peças em diversas lojas próximas, você percebe uma movimentação incomum. Há poucos blocos dali, uma multidão parece ter entrado em conflito com policiais, e sons de disparos podem ser ouvidos. Ou talvez fossem soldados? Não é possível ter certeza.

Subitamente, você é puxado para um beco estreito, onde Madame Lotta se revela novamente. A mulher tem meia dúzia de óculos nas mãos, os quais entrega a você e pede para verificar qual deles cumpre as suas especificações.

- Enquanto vinhamos para cá, eu reparei em um prédio velho e grande que vigia a marina, lembra um forte. O lugar lembra um  Eu perguntei por aqui e me disseram que se trata da gerência da marina. É muito provável que eles tenham um equipamento de rádio lá, dos grandes, você não acha? Que tal se invadíssemos o lugar?

Você pode se ater ao combinado e continuar procurando no mercado ou fugir do plano e tentar invadir o lugar.

Você segue Isabelle, contornam uma rua e Lotta e Cristhian desaparecem. Vocês seguem por uma rua estreita de pedras, cercada por prédios altos e magros dos dois lados, até uma ampla praça onde descansa uma enorme igreja, inteira em madeira. Isabelle explica no caminho:

- Um dos protocolos da missão do General De Gaulle previa este encontro. Se nossas forças não pudessem tomar o porto de assalto até as 7:30 da manhã, então teríamos até o meio para arranjar este encontro secreto nesta igreja. Aqui, planejaríamos então a tomada do porto. Eu não acho que isso seja viável mais, nossa missão já foi comprometida, mas se os brasileiros chegaram até aqui, e foram atacados como nós fomos e suspeitamos, então quaisquer sobreviventes que conhecessem do protocolo viriam para cá também. Assim que nos identificarmos, eles terão todos os motivos para confiarem em nós. Apenas então, juntos, decidiremos o que fazer. Estamos em maus lençóis camarada Boris, precisamos de toda a ajuda disponível.

Um sino velho bate as 12 horas, numa torre separada da construção principal da igreja, na mesma praça. Vocês invadem o local santo na mesma hora, e o interior da igreja se revela para vocês. Inteiramente em madeira, muitos vitrais coloridos e uma nave muito alta, a Igreja de Santa Catarina é uma relíquia de Deus no olho do furacão que pode não ver o fim da guerra. Um sacerdote de preto, de meia idade, parece se aproximar de vocês.

Os curativos foram finalizados e Vieirinha pode respirar mais aliviado, que a perda de sangue e a possível infecção estão agora sobre controle. Seu corpo saudável se recuperará em poucos dias.

A espera se encerra, para o fim da angústia do Sargento Wolff, já que o velho sino da torre da igreja começa a tocar as doze badaladas do meio dia. É isto, nenhum francês se salvou e a missão foi um fracasso. Hora de inventar uma maneira de cumprir seus objetivos e retornar para a pátria com vida.

Ou pelo menos é o que passou por suas cabeças. O irmão Rodolphe espia pela porta do seu pequeno gabinete e faz um sinal com a mão.

- Outras duas pessoas entraram na igreja, e não se parecem com ninguém que eu jamais vi. Um deles é eslavo, com certeza, veio procurar a morte tão longe de casa. Que Deus o tenha. Segure suas esperanças, sargento, eu vou descobrir quem eles são.