Cena 1: Céus em Chamas

Todos os pilotos e muitos dos partisans se reúnem ali na luz baixa dos faróis, juntamente com Isabelle e os soviéticos. Vocês se veem rodeados de árvores altas, esbeltas e velhas, um tanto esparsas, e a estreita estrada de terra adentra o bosque sinuosa. Isabelle assume a palavra, tentando explicar o plano da forma mais claro possível:

- Há quilômetros de fazendas e áreas rurais daqui até Honfleur, atravessados por uma intrincada malha de estradas de terra como esta. Nós seguiremos em fila única, de faróis e luzes apagadas, até o campo onde pousarão os reforços do Coronel Rémy. Isso significa que não poderemos nos afastar muito uns dos outros, sob risco de se perder do bando ou fragmentar nossas forças nessa noite escura. Nosso companheiro de armas, Dédé, conhece bem a região e liderará nosso comboio e-

Nesse momento Isabelle é interrompido. Uma mulher, alta, de longos cachos loiros, e vestindo um sobretudo surrado, surge de trás da multidão, empurrando Daniel para o lado sem pedir licença. Ela avança até o centro com determinação.

- Eu irei em segundo! - o bafo do motor de um dos caminhões movimenta seus cabelos. Ela usa uma boina, e tem um revólver modèle 1892 na mão direita - notoriamente, o revólver dos oficiais franceses na Grande Guerra. Suas botas escuras destacam suas pernas magras. - Madame Lotta em segundo, já que não posso ser a primeira. Ainda há, ao menos, a chance que eu seja a primeira de nosso bando a derramar sangue nazista.

Todos se surpreendem com a descoberta da mulher, e um dos soldados soviéticos comenta com malícia para Boris em russo. A mulher se vira para os estrangeiros, mas vocês não sabem se ela entendeu o que o soldado disse. Isabelle continua:

- Que sua coragem motive a todos nós, Madame Lotta. Espero apenas que sua pressa em matar nazistas não entregue nossa posição. - Após o alerta, ele continua -
Assim, viajaremos sem sermos detectados, estaremos em terreno seguro, e, após nos juntarmos aos reforços que chegarão de aeronave, seguiremos a mesma estratégia para nos aproximarmos de Honfleur, onde está nosso primeiro objetivo. Alguma dúvida?

Logo após a explosão, a casa de máquinas começa a se inundar de água do mar. Cabo Ferreira e Sargento Francisco se esforçam ao máximo para fechar a porta e isolar os compartimentos. Após conseguirem, Sabão teve de identificar onde acionava a bomba para esvaziar aquele lugar, sob risco de danificar mais que o desejado os motores. Finalmente, Vierinha chega e, assim que começa a descer a escada metálica para a casa das máquinas, vê tudo inundado e começa a rir. Realmente, a explosão foi muito mais intensa que previram.

Situação sob controle, Sabão ordenou ao Cabo Ferreira que guardasse o local e impedisse qualquer um de entrar. Em meia hora, talvez, a bomba conseguiria secar a casa das máquinas completamente, enquanto que o compartimento onde detonou a dinamite continuaria inundado. Em seguida, Sabão e Vierinha correm para a ponte de comando do navio. No trajeto, vocês veem o salão de refeições vazio. Mesas servidas, comida quente e fumegante, e ninguém para comer. Os corredores estão cheios de pessoas correndo assustadas. Algumas evacuaram os pertences de suas cabines e esperam próximas dos botes salva-vidas.

A ponte de comando foi ocupada pelos militares, e o capitão e seus oficiais tripulantes aguardam obedientes na cabine privativa. Vocês dois sobem as escadas metálicas e um dos praças guarda a porta de acesso. Ele a abre quando vocês se aproximam e torna a fechá-la assim que entram. No interior, o Tenente Barca coordena os demais praças, que operam agora o navio.

- 20:09 - ele observa no seu relógio de bolso e risca alguma coisa em papéis numa pasta - "Sargento Francisco reporta explosão nos porões inferiores e danos nas máquinas. Soldado Vieira reporta incêndio nos níveis inferiores." - ele termina de riscar e olha para vocês com a face séria - O que está fazendo aqui, Sargento Francisco? Não sabe seguir ordens ou eu não fui claro o bastante? Eu ordenei que ficasse na casa das máquinas! O Cabo Ferreira devia ter reportado a mim, não o senhor. Soldado Vierinha, está atrasado. Mais atenção ao plano, rapazes!

Em seguida, ele vai até o praça que está operando o equipamento de rádio e dá a ordem. Ele acena afirmativo com a cabeça e começa a transmitir no rádio de longo de alcance:

- Vapor brasileiro Itagyba em rota para Caen, fomos avariados por artefato militar não identificado no Canal da Mancha. Máquinas inoperantes. Estamos a deriva. Mayday Mayday Mayday.

A mesma mensagem é enviada em diferentes canais de rádio, em diferentes idiomas, repetidas vezes. O radiotelegrafo também é usado. Em seguida, o tenente instrui outro praça a navegar para o porto de Honfleur, porém em rota errante.

- Soldado Marcos, Soldado Lucas, patrulhem o navio e garantam de colocar ordem nos passageiros e tripulantes. Ordenem que voltem as suas cabines. Se perguntarem, digam que assumimos o controle e que enviamos sinais de socorro e que em caso de emergência instruiremos para que ocupem os botes salva-vidas. - então ele se volta a vocês dois - Reportem o status da missão. O que houve para não terem seguido o plano a risca?

Por um momento após a fala de Boris, o ronco dos motores foi o único ruído a ser escutado. A mulher, de uma beleza ainda mais peculiar com o revólver na mão, examina Boris da cabeça aos pés. Ele e os demais soviéticos são os únicos soldados de verdade ali, armados até os dentes e bem treinados - ainda do tempo do velho exército. Ela parece ter a língua afiada e pronta para responder a provocações, mas hesita. Ao passo que é evidente que deseja responder com ácido, percebe que Boris está em clara vantagem e que seu apoio não pode ser desafiado para esta missão. Todos os olhares se voltam para ela, ansiosos de sua resposta...

- Espero que a metade de vocês soviéticos que vem no meu caminhão seja a metade corajosa. Alguns dos franceses aqui claramente precisam de um exemplo de coragem - ela diz isso fitando Blanchard.

Os partisans que assistiam a cena da caçamba do caminhão de Madame Lotta parecem intimidados. Isabelle pigarreia e tenta conter as tensões:

- Se não há dúvidas sobre o plano, todos de volta aos caminhões. O tempo não é nosso aliado. Vamos colocar os veículos em formação e partir.

Ele ajeita a boina na cabeça e, retornando ao caminhão de Daniel, dá uma palavra curta com Boris:

- Sabe o quanto eu agradeço seu apoio, camarada Boris. Mas, por favor, mantenha seus homens e a si próprio sob controle. Não quero ver armas disparando contra franceses hoje.

O tenente escuta tudo com os olhos semicerrados e o rosto tenso, respondendo ao final:

- Muito bem. Que isso não se repita. Esta é uma tarefa cirúrgica. Agora, próxima etapa.

Ele volta a mesa e risca alguma coisa em papel, a lápis. Rapidamente ele retorna com mais instruções:

- Os soldados Marcos e Lucas estão colocando os passageiros onde queremos. Todo o palco está armado para divergir a rota para o porto de Honfleur, e temos legitimidade para isso. São 20:17, o jantar continuará sendo servido até as 21:00. Vão encher o bucho, rapazes. Recomendo que carregue sua arma de agora em diante soldado Vieira - ele dá um suspiro forte - Gostaria de recomendar o mesmo para o senhor também, sargento, mas tenho ordens expressas para não permitir que pegue em arma.

Vocês escutam risos abafados na ponte de comando.

- Às 21h retornem os dois à casa das máquinas e liberem o Cabo Ferreira. À meia noite, reduzam a potência dos motores para 25% da máxima e mantenham. Vamos chegar em Honfleur antes do clarear do dia. Aguardem na casa das máquinas minha próxima ordem. Estão autorizados a fazerem turnos de sono e vigília até lá. Se não houver dúvidas, estão dispensados.

Vocês prestam continência e deixam a ponte de comando. Quando dão por si, estão os dois sentados um de frente para o outro em uma mesa coberta por toalha branca e servida de salada, sopa, cerveja e três tipos de carne diferentes. Vocês são os únicos no salão de refeições, e a tripulação do navio é obrigada a executar seus serviços. Garçom, cozinheiros e músicos exclusivos para vocês dois. Do lado de fora, podem ver pessoas assustadas carregando seus pertences de um lado a outro. Vieirinha deixou o rifle apoiado numa perna da mesa.

O legionário que passou mal no planador de Hans responde ainda cuspindo sua última refeição da boca:

- Sim senhor. Me desculpe senhor. Isso não se repetirá.

Todo o interior do planador fede a vômito, um convite a mais vômito.

Os sete minutos são apreensivos. Céu negro e quieto. Silêncio de rádio. Então veio a comunicação final:

- Bleinheim 01 para planadores. Estamos sobre Le Havre. Soltando os cabos em 3, 2, 1... - e uma sacudida anunciou que os planadores estavam livres agora, em uma queda lenta, controlada e imperceptível. O rádio retorna - Boa sorte rapazes. Tenente Locksley, o comando é todo seu.

Os caças-bombardeiros fazem curvas súbitas em retorno à ilha da Inglaterra e não se escuta mais o barulho de seus motores. Seus ouvidos recuperam a sensibilidade lentamente. O piloto do planador de Robert anuncia:

- Em rota para o campo de pouso, altitude, velocidade e angulações corretas, como previsto. Temos suficiente margem de manobra, se necessário. Estamos invisíveis. Verificações a cada 2 minutos, câmbio.

E tudo pareceu na mais plena calma, dentro do planejado na operação, feito um passeio de carrossel. Até que, sem anúncio algum, uma enorme coluna de luz surgiu uma centena de metros a frente. E depois outra, e mais uma, perigosamente próxima. Então elas começaram a se movimentar, feito vermes sobre terra recém descoberta.

E aqueles fachos de luz, vindos de holofotes anti-aéreos em terra, encontraram os planadores. Seus corações gelaram ao ver uma nuvem negra surgir adiante com um som abafado, e outra mais próxima, e só voltaram a bater, acelerados, ao alerta do piloto:

- Canhão flak! Canhão flak! Estão atirando em nós! Artilharia anti-aérea!